Por Adenildo Bezerra
Um exercício que gosto de fazer, vez ou outra, é voltar no tempo, percorrer as veredas da minha infância com o coração aberto e os olhos marejados de saudade. Recordo-me, então, de uma casa simples, de taipa, coberta com telhas envelhecidas e com o chão batido, que recebia o carinho diário da vassoura de mamãe. Era o nosso lar. Ali, vivíamos papai, mamãe, meus seis irmãos e eu, o menor, o caçula da casa.
As manhãs começavam cedo, com o sol ainda espreguiçando-se no céu. Eu ajudava papai na roça ou saía pelas ruas vendendo bananas e suquinho, tentando, com mãos miúdas, contribuir com a renda da família. À tarde, era hora da escola, sagrada missão da qual mamãe nunca nos deixava abrir mão. Ela dizia, com a firmeza das mulheres sábias, que estudar era a única herança que poderia nos garantir um futuro mais digno.
Mesmo com o trabalho, havia tempo para ser criança. Um bom banho nas águas do Mearim ou do Nema lavava a alma e renovava as energias. Depois, vinha a pelada com os amigos no pátio da Cemar, no Quebra-Dedo, ou na rua de piçarra. A rua era o nosso parque de diversões, poeira, céu aberto e risadas soltas ao vento. À noite, a brincadeira virava “bandeirinha” ou “preso-fugido”, com direito a campeonato de futebol de botão improvisado na sala.
Nossa vida era de aperreios, sim. Havia penúria, havia escassez. Comprava-se tudo no retalho: meia barra de sabão, uma quarta de açúcar, uma colher de margarina, um tiquinho de óleo ou de querosene. Parte da infância foi à luz de lamparina, pois a energia elétrica ainda não nos alcançava. O querosene era medido com cuidado, comprado com moedas contadas. E os mercados que frequentávamos eram as barraquinhas de Pau Seco e de Seu Filó. Diariamente, eu ia até a casa de Filó buscar toicinho, o que cabia no nosso bolso e no nosso prato. O jantar de quase todo dia era arroz com toicinho e banana-cacau. Simples. E saboroso.
Éramos pobres. Mas havia uma riqueza que ninguém nos tirava: o afeto. A alegria. O zelo de mamãe. A sabedoria e a seriedade de papai. A união entre irmãos. Uma infância de luta, mas também de riso fácil, de brincadeiras no terreiro, de sonhos que, mesmo miúdos, já nasciam grandes.
Mamãe, com seus olhos firmes e ternos, não cansava de repetir: “Estudem, meus filhos. O estudo é a chave. É o caminho.” E hoje, com o coração agradecido, sei que ela tinha razão. Aquela infância de chão batido foi o solo fértil onde cresci, pobre, mas nobre, feliz e animada.
Foto: G1 Globo