Em julho de 2016, integrantes da Corregedoria da Caixa Econômica Federal em Brasília apreenderam o notebook de um funcionário da Vice-Presidência de Pessoa Jurídica. O notebook trazia registros datados de 2012. Entre 2011 e 2013, o vice-presidente de Pessoa Jurídica era Geddel Vieira Lima (PMDB), que recentemente ocupou um ministério no gabinete de Michel Temer. Os investigadores da Corregedoria localizaram nos arquivos uma planilha que ganhou a chancela “sigilosa”.
O documento tinha a lista das empresas que solicitavam empréstimos ao banco público, com os valores das operações e o status do negócio. Até aí, um registro prosaico de atividades. Não fosse por uma outra coluna, identificada como “contatos externos”. Nela, políticos de PMDB, PT e PSC estavam relacionados às operações, que deveriam ser eminentemente técnicas.
Àquela altura, a Lava Jato ainda não desbaratara o esquema de achaque a empresas interessadas em recursos do banco. Os investigadores da Lava Jato suspeitam que o esquema fosse tocado por Geddel, pelo ex-deputado Eduardo Cunha e por seu operador Lúcio Funaro – os dois últimos, padrinhos de Fábio Cleto, que ocupava a Vice-Presidência de Loterias na Caixa no mesmo período. O documento despertou a atenção. Imediatamente, auditores do banco anotaram em um relatório sigiloso, obtido por ÉPOCA: “Conforme se denota do documento ora anexado, o empregado possuía em seus arquivos uma lista com as seguintes informações: Cliente/Contato Externo/Operação/Status. Na referida planilha, no campo contato externo figuram políticos influentes”. E qualificaram o risco: “Dos políticos citados na planilha, há um deputado preso por fraudes licitatórias, e outro formalmente indiciado por envolvimento na Operação Lava Jato”. (Leia também na edição impressa de ÉPOCA desta semana.)
O deputado investigado na Lava Jato é Marco Maia, do PT gaúcho, alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF). Na linha que anota um pleito da CCB e Rio Corrente PCH, do grupo goiano Construtora Central do Brasil, identificada como operação “35 MM + 35 MM”, o servidor anotou o nome de Marco Maia, ex-presidente da Câmara. A empresa afirma que buscou, mas não conseguiu o empréstimo na Caixa. A CCB nega contatos com o parlamentar gaúcho. Marco Maia disse que nunca ouviu falar das empresas do Grupo CCB, não conhece ninguém da companhia e que tampouco teria procurado Geddel para tratar de demandas na Caixa. Em relação à tentativa de obter um empréstimo de R$ 70 milhões, como a planilha sugere, a companhia goiana enfatiza que “nenhum de seus representantes conhece ou manteve algum tipo de contato com o deputado Marco Maia em época alguma”.
Os investigadores da Corregedoria afirmam que a planilha foi produzida em 2012. De acordo com os auditores da Caixa, o registro formal em documento arquivado de “padrinhos políticos” nas operações de crédito era um ineditismo criado na gestão Geddel – hoje em prisão domiciliar –, a quem o servidor Giovanni Carvalho Alves, usuário do computador, estava subordinado. Produziu-se uma raridade no mundo da corrupção, onde os crimes não deixam provas materiais: uma certidão de apadrinhamento. Por lei, essas operações deveriam seguir o mesmo ritual impessoal aplicado a qualquer postulante.
O documento obtido por ÉPOCA mostra que o raio de atuação de Geddel não estava restrito a sua aliança com Eduardo Cunha e com Lúcio Funaro. Presidente do PSC e presença frequente no Congresso, o pastor Everaldo, segundo sugere o documento, também pode ter buscado ajuda de Geddel na Caixa. No documento interno do banco, o nome de Everaldo aparece associado às empresas “Protex/Dinâmica” e a um financiamento de R$ 3 milhões, dos quais R$ 2,75 milhões constam como já contratados. O pastor afirma que procurou Geddel em 2012 na sede da Caixa. “Eu pedi um favor, apresentei a empresa e pedi para ele [Geddel] fazer as coisas normalmente”, diz, sem dar mais detalhes do encontro. Everaldo pediu o “favor” porque um dos sócios da Dinâmica, Edson da Silva Torres, é seu amigo e sócio em outra empresa.
A empresa baiana Intermarítima obteve um empréstimo de “9MM”, segundo a planilha. Na coluna “contato externo”, está o nome do ex-deputado pela Bahia Leur Lomanto, do PMDB. A companhia, que opera portos no Nordeste, confirmou que obteve o financiamento da Caixa em 2013, só que num valor maior – R$ 12 milhões.
O empréstimo foi usado para a compra de um imóvel para armazenagem e ensacamento de fertilizantes, e o valor foi depositado diretamente na conta do vendedor.
O diretor financeiro da empresa, Clovis Duarte, afirma ter sido o responsável pela negociação com a Caixa, admite que conhece o ex-deputado “de nome”, mas diz que o empréstimo foi tratado diretamente com um gerente da agência da Caixa em Salvador. “Em nenhum momento utilizamos qualquer pessoa fora da empresa para tratar deste assunto”, disse, em nota.
Leur Lomanto, que aparece na planilha erroneamente como “dep Leau”, diz, sem citar nomes, que é amigo de infância de um dos sócios da companhia e que, ao procurar Geddel, “solicitou tão somente a agilização do procedimento final, independentemente de qualquer vantagem pessoal ou para terceira pessoa”.
De acordo com os investigadores, o esquema do PMDB na Caixa, principalmente no FI-FGTS, não estava escorado no poder de aprovar empréstimos, mas de usar um intermediário – um “longa manus” –, o ex-vice-presidente de Loterias Fábio Cleto, que possuía assento no Conselho do Fundo, para dificultar a concessão de empréstimos, mesmo os lastreados tecnicamente. No jargão, vendia dificuldade para colher facilidades. De modo análogo ao que ocorria com Cleto no FI-FGTS, Geddel tinha assento no Conselho Diretor do banco, responsável pela aprovação de grandes empréstimos, podendo votar ou “vetar” as operações pleiteadas.
O deputado Mauro Lopes, coordenador da bancada mineira do PMDB, aparece na planilha ao lado do nome da SPA Engenharia, uma construtora de Belo Horizonte. A empresa pleiteava um financiamento de R$ 150 milhões e, segundo o documento, ainda estava pendente uma reunião na Superintendência Regional da Caixa para “estruturar” a operação. Mauro Lopes negou que tenha intercedido pela companhia. A SPA Engenharia afirma que nunca tomou empréstimos com a Caixa.
Ex-assessor especial de Temer e ex-deputado federal, Sandro Mabel (PMDB-GO) também consta da planilha, associado a uma operação da empreiteira paulista Termaq. A negociação do empréstimo de R$ 25 milhões, contudo, aparece com o “conceito de risco F” e acabou não saindo do papel. A Termaq diz que “a empresa ou seus representantes não conhecem o ex-deputado e, por esta razão, nunca tiveram qualquer tipo de relacionamento com o mesmo”. Sandro Mabel afirmou que “desistiu da vida política” e sugeriu à reportagem “tocar para frente” o assunto. Ao ser indagado sobre seu nome aparecer relacionado à Termaq, ele disse que nunca ouviu falar da empresa e que deveria ser um engano.
Por meio de sua assessoria, a Caixa informou que o processo interno da Corregedoria “foi levado ao conhecimento da Polícia Federal e do Ministério Público Federal”, mas que, como corre sob sigilo, não pode se manifestar sobre ele.
Em relação aos empréstimos, o banco afirmou que “até o momento não foram identificadas irregularidades nas concessões”. Como o escândalo do FI-FGTS foi revelado pela PF e não pela área de compliance da Caixa, a planilha obtida pelos auditores é considerada um grande ponto de partida.
O ex-ministro Geddel Vieira Lima afirmou por meio de nota que só vai se manifestar quando tiver acesso ao documento e disse que jamais atuou para favorecer ou retardar operações financeiras para empresas no banco. Giovanni Alves, o usuário do computador apreendido pelos investigadores da Corregedoria, não quis comentar o assunto. Fonte: As informações são da EPOCA