Comemorando 86 anos neste domingo 18, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2003), considerado o “príncipe” dos sociólogos, classifica a decisão do PSDB de continuar apoiando o governo de Michel Temer como acertada e diz que a medida foi tomada “no limite da responsabilidade”. Ou seja, sem os tucanos, o peemedebista poderia ter seu governo inviabilizado e as reformas ameaçadas. Em entrevista à ISTOÉ na tarde da última quinta-feira 15, em seu apartamento no sofisticado bairro de Higienópolis, FH, como gosta de ser chamado, afirma que se Temer for denunciado pelo procurador-geral da República e o Congresso aprovar a abertura da ação, o governo perde a legitimidade e, ai sim, o PSDB desembarca do governo. “Não só o PSDB, mas a sociedade vai exigir mudanças”. Para ele, se o governo perder a legitimidade, poderia até haver uma antecipação das eleições, mas ele acha melhor que Temer fique até o final. FH, no entanto, pede que haja uma “trégua” da classe política para que o País volte a ter estabilidade social.
O PSDB decidiu permanecer apoiando o governo Temer. O senhor acha que foi a medida mais acertada?
Foi no limite da responsabilidade. Eu vi várias interpretações sobre a decisão. E a verdade é a seguinte: dizem que o PSDB quer fazer um acordo com o PMDB, pensando nas eleições futuras. Isso tudo é fantasia. Porque daqui até as eleições vai passar muita coisa.
O senhor acha que a governabilidade falou mais alto?
Eu prefiro pensar que sim.
Sem o PSDB, o governo se inviabiliza? O PSDB passa a ser o fiel da balança?
Não sei se seria o fiel da balança. As dificuldades do governo são com a Nação, não são com o sistema partidário. O governo para se viabilizar precisa explicar ao País, primeiro, qual é o rumo. Segundo, as acusações que existem, que procedência têm? Precisa haver um ajuste de verdades. O povo está inconformado, irritado, achando que tudo é corrupção. Então, o governo precisa se explicar perante a Nação.
Na questão do desembarque , algumas cabeças pretas, como são chamados os tucanos mais jovens, discordaram da decisão de ficar. Os caciques do PSDB não têm o partido nas mãos?
Faz tempo que os cabeças brancas não comandam mais nada. Nem no PSDB e nem em nenhum outro lugar. Hoje se tem um nível de informação tão grande que as pessoas formam sua opinião de maneira tão independente que você tem de convencê-las. Não importa se as cabeças são brancas ou são pretas. Ninguém toma uma decisão só porque alguém deu uma ordem. O Brasil está indeciso e o PSDB reflete isso.
O partido disse que fica, desde que não surjam fatos novos, que possam vir a comprometer esse apoio. Quais fatos novos que podem tirar o PSDB do governo?
A denúncia do procurador-geral por exemplo. Até há pouco, havia a pressuposição, a partir de uma ação movida pelo PSDB, de que a campanha eleitoral de 2014 foi ganha através do abuso do poder econômico. Isso foi o PSDB quem propôs. O TSE decidiu, por 4 a 3, de que não foi assim. Então, nós vivemos dentro da Constituição. E a Constituição diz que uma possibilidade legal seria o TSE ter declarado que houve abuso. Mas ele declarou que não houve. Diante dessa situação, um fato novo grave é o que se diz que vai acontecer. Ou seja, o procurador-geral da República deve pedir licença ao Congresso para processar o presidente da República.
E isso é grave?
Isso é uma coisa de suma gravidade. Eu me recordo que no tempo do Getúlio, quando os militares se moveram e fizeram os famosos Inquéritos Policiais Militares, os IPMs, do Galeão, e chamaram o irmão dele, o Banjamin Vargas. Getúlio se matou pouco depois. Se o Congresso der autorização para processar o presidente, isso é gravíssimo. Para pedir essa autorização o procurador tem que estar bem embasado. Se o Congresso diz que está embasado, acabam as condições morais de governar.
E aí o PSDB desembarca?
O país vai ficar de perna para o ar.
O senhor disse que falta legitimidade a Temer e que ele teria que antecipar as eleições como gesto de grandeza.
Não é que falta legitimidade ao Temer. Ele está lá por imposição constitucional. É legal. O governo é que está perdendo legitimidade. É o consentimento dos que obedecem à ordem dada. Quando as pessoas começam a discordar, e não é só do governo federal, perde-se a legitimidade. O que se vê hoje é atrito entre a Polícia Federal e os procuradores. Entre o Executivo e o Legislativo. Membros do Judiciário mandam cessar o mandato de um membro do Legislativo. Tudo isso são sinais de que a ordem está começando a perder validade. Isso é grave. Isso é que é deslegitimar. Não é só o Temer. É muito maior do que isso.
O que o senhor quis dizer que se a pinguela quebrar, vamos atravessar o rio a nado?
Eu quis dizer que se ficar claro que o governo perdeu as condições de governar é preciso recorrer à soberania popular.
No auge da crise, se dizia que Temer deveria ficar por não haver um nome de consenso para substituí-lo. Falava-se no nome do senhor como essa alternativa. O senhor gostaria de fazer essa transição?
Não. Eu já disse uma porção de vezes. É mais fácil o presidente atual comandar o processo de transição do que um outro. Se for para o lugar de Temer tem que ser para um processo de transformação. Não pode ser com a ideia de permanecer. Mas eu acho que precisa de uma pessoa que mostre à Nação qual é o rumo a ser seguido e que tenha energia. Eu tenho 86, que completarei domingo agora. É muito tempo. Está na hora de mudar a geração de mando. Podemos esperar as eleições para isso, mas essa pessoa tem que dar sinais de pacificação à Nação.
O senhor sempre foi considerado esse pacificador. Acha que precisa haver um pacto pela união nacional?
Implicitamente sim. Pacto não é conchavo. Precisa haver uma convergência de pontos de vista. Não excludente. Não apelando só aos partidos, mas à sociedade. Os sindicatos, os empresários, as igrejas, os movimentos sociais, os intelectuais. Para dizer: vamos dar uma trégua ao Brasil. Precisamos desse acordo porque o desemprego está enorme, o desenvolvimento econômico mal começa a aparecer e cai novamente.
Trégua com Temer ou sem Temer?
Tanto faz. Se Temer sentir que o dever dele é conduzir o País para um novo passo, é mais fácil.