Arari há sempre muitas águas escorrendo no rio de remansos e marés, que no meio divide a tua gleba. O sossego de tuas horas mortas e os humores de tua gente, ora pacata e sorridente, ora agitada e buliçosa, teu perfil é um pouco diferente de outras pequenas cidades plantadas nestes ares tropicais.
De onde vem, Arari, tua inconstância de avanços, tropeços e recuos?
Vem dos portugueses que de ti se abancaram e povoaram os teus campos e ribeiras? Vem dos senhores de engenhos e dos escravos que te miscigenaram?
Arari! Já perdeste a tua mania de mandar teus homens pelas águas de mares e marés, a cavalgar pelos campos de pastos e reses, ou a se aventurar por rincões distantes?
Por que já disseram que teu povo é altivo e só se curva diante de Deus? Por que teus educadores, de ontem e de agora, teus empreendedores, literatos e poetas te fizeram e te fazem sonhar com as alturas?
Que é feito das inocentes cantigas de rodas das tuas crianças, e das serestas, nas noites enluaradas, em tempos que se perdem na distância, das danças de São Gonçalo, da tuas Pastorais e dos teatrinhos de outrora?
Ainda lembras de tuas músicas animadas, que atravessaram séculos, tocadas pelo sopro e batuque das orquestras de Sinfrônio, de Edson Cardoso, Sabino Prazeres, Raimundo e Zé Martins, e das bandinhas de Zezeca Perone?
E das retretas do Largo da Matriz, em coretos de madeira que, certo dia, diz a história e a tradição confirma, um deles, no silêncio de sua imobilidade, por rixa política de gente insensata, fora recolhido ao xadrez?
Onde estão os ecos perdidos do baticum dos tambores do candomblé de Guilhermina e Maria Prima que se ouviam, ao longe, nas madrugadas de verão?
Recordas os “assaltos” carnavalescos, com pandeiros e cuícas, comandados por Manoel Abas e com a participação dos “coroas” Joca Mousinho, Paulo Pereira e Zé Caiçara?
Arari, lamento a tua incompostura, tuas carências e contradições, mas amo a tua fé no mesmo Deus, que une teu povo nos templos religiosos e nos terreiros de umbanda, e também quando a galhardia de teu povo ultrapassa preconceitos, discórdias e querelas.
Se tens orgulho dos filhos e filhas que te engrandeceram, por que não cultivas suas memórias? Se te ufanas do teu bem-querer, por que deixas que teus filhos, por ganância, prejudiquem seus iguais? Se queres crescer, por que consentes que alguns incongruentes turvem o teu avanço?
Por que permites que teus riachos e igarapés sejam soterrados? Por que não impedes que derrubem as árvores das margens do teu rio, já assoreado e poluído pelos detritos jogados no seu leito por alguns desajustados que dele se servem?
Por que teus babaçuais escasseiam? Por que não impedes que teu trânsito de carros e de motos prejudique o normal deambular de crianças, idosos e deficientes?
Por que?
Ai de ti, Arari bicentenário, se não souberes escolher teus dirigentes, se não seguires o teu rumo certo pela paz e pela justiça dos homens e de Deus! Ai de ti!
E se não cumprires a tua destinação histórica, chegará o dia em que sofrerás revezes e não renascerás das cinzas que te restarem…
Aí, ai de ti, que já tiveste campos e campinas floridas, “ilhas” de árvores frondosas e abundantes – ipês de bela floração, palmeirais, cajuais, crivirizais e manguezais – maculados com tua sacrílega devastação.
Fica ciente que os motorizados que se apressarem demasiadamente pelos teus logradouros, pondo em perigo os transeuntes, talvez com a mesma pressa poderão ser “hóspedes” do campo santo localizado bem ali, num terreno alto e amurado, rente às últimas casas de uma ruazinha que invadiu o campo.
Ai de ti, Arari, se não seguires os exemplos das Zuleides e dos Silvestres que nasceram no teu seio e te quiseram portadora de afinidades boas e úteis a ti e aos teus próximos.
E você, meu amigo, minha amiga, ouça, nos abscônditos da alma, em simbólica magia, a voz transcendental de arariensedade oculta que existe em nós, suplicando-nos ações libertadoras em proveito desse nosso chão
Por fim, ai de ti, Arari, se continuarmos a reviver aquela parte de teu pretérito nebuloso de maledicências e discórdias, se não resgatares a parte louvável daquele teu passado de hábitos saudáveis, de costumes benignos e de fraterna convivência, que te farão sucedâneo da gleba ideal, sonhada ontem e realizada hoje, para o gáudio de todos nós e das gerações futuras. Ai de ti!