Brasil tem 26 mil pedidos de refúgio e só 13 pessoas para analisá-los

Foto: Reprodução

O Brasil tem 26 mil pedidos de refúgio pendentes de análise. E 13 pessoas para fazer o serviço. Além disso, o tempo de avaliação desses pedidos (em média um ano e meio) tende a aumentar, já que o governo decidiu não renovar o acordo com um braço da Organização das Nações Unidas que auxiliava a área com dez consultores.

Se hoje parassem de chegar pedidos de refúgio no Brasil, os 13 encarregados teriam de analisar mais de 2 mil casos até o fim do ano para zerar o estoque.

Não é tarefa simples. Significa avaliar se pessoas que deixaram seus países para fugir de guerras ou de perseguições políticas, muitas vezes sem documentos ou quaisquer bens, têm condições de entrar no país. São feitas inclusive entrevistas presenciais antes de conceder o visto ou o refúgio.

Os pedidos de refúgio são feitos por pessoas de países em guerra ou com medo de voltar a seus países por sofrerem perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política, pertencimento em grupos sociais ou violação generalizada de direitos humanos. O Brasil tem uma política “de portas abertas”: é possível entrar no país para só depois fazer o pedido formal para o governo.

Os pedidos são encaminhados ao Comitê Nacional para Refugiados (Conare), vinculado ao Ministério da Justiça. O comitê é formado por representantes de cinco ministérios (Justiça, Relações Exteriores, Trabalho, Saúde e Educação), da Polícia Federal e de uma ONG dedicada à assistência de refugiados.

Atividade-fim
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) também é membro convidado de todas as reuniões do Conare, com direito a voz, mas sem voto. E foi justamente com o Acnur que o governo alegou ter os problemas que desencadearam na redução drástica da quantidade de responsáveis por avaliar os pedidos de refúgio.

A parceria com o Acnur começou em 2015. À época, o Brasil tinha 8,4 mil refugiados reconhecidos e 12,6 mil solicitações de refúgio pendentes. Sentindo o aumento de pedidos de refúgio principalmente de Haitianos e Sírios, o Conare começou a se descentralizar, criou escritórios regionais em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Contratou, então, por meio do Acnur, dez consultores especialistas na área de refúgio para apoiar a equipe de oficiais de elegibilidade e passou a buscar funcionários públicos que pudessem ser deslocados para o órgão.

Na época, o então secretário nacional de Justiça e cidadania, Beto Vasconcelos, afirmou em entrevista à agência de notícias alemã DeutscheWelle, ao inaugurar a parceria: “O aumento do número de solicitantes e de refugiados é uma realidade nova para o Brasil. É um reflexo da crise humanitária que o mundo tem vivido”.

Uma série de acordos com a ONU serviu para auxiliar no fluxo de solicitações de refúgio. O Acnur trouxe consultores estrangeiros para melhorar o trabalho no Brasil, em operação assistida. Ou seja, acompanhando in loco os funcionários brasileiros e fazendo o trabalho junto com eles, para mostrar as melhores práticas. Ao mesmo tempo, o Ministério da Justiça solicitou concurso para preencher vagas com 129 servidores, além da contratação de 60 temporários.

Os concursos não foram feitos até hoje, e a verba para os temporários também não foi liberada.

No entanto, durante a gestão de Alexandre de Moraes (hoje ministro do Supremo Tribunal Federal) no Ministério da Justiça, o contrato com o Acnur não foi renovado. Com a saída dos consultores, que traziam expertise ao trabalho dos servidores, o número de pessoas dedicadas à análise dos pedidos foi reduzido drasticamente.

O motivo apontado pelo governo para não renovar o contrato com o Acnur é que o contrato está sendo investigado pela Corregedoria do Ministério da Justiça e pelo do Ministério Público do Trabalho sob a acusação de ser terceirização ilegal da função (apesar de serem consultores trabalhando em operação assistida).

O Ministério da Justiça diz que a investigação ainda está em curso e é sigilosa. Pessoas ligadas ao caso, no entanto, contaram à ConJur que a investigação surgiu de uma falácia, pois teve como “denúncia” cartas enviadas por um único funcionário do Ministério da Justiça, que buscava ser alocado no Conare, mas que, por decisões internas, não conseguia. Ele, então, passou a acusar o órgão de ocupar a vaga que ele queria com os consultores do Acnur.

Chance de redução
Os pedidos de refúgio tiveram seu pico em 2015, com mais de 29 mil novos pedidos, 14 mil deles de haitianos. Os migrantes do Haiti, no entanto, não se enquadravam na categoria de refugiados, explica Bernardo Laferté, chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Justiça. Por isso, o número começou a ser reduzido quando o governo criou o “visto humanitário”, aplicado a vítimas de crises econômicas e ambientais.

Em 2016, foram feitos 10 mil novos pedidos. Com mais casos haitianos sendo resolvidos pelo visto humanitário, o topo da lista de pedidos foi ocupado por venezuelanos (3,7 mil). A esperança de quem atua na área, diz Laferté, está na nova Lei de Migração (SCD 7/2016), cuja votação no Plenário do Senado é aguardada para este mês.

Trata-se de um substitutivo da Câmara para um projeto de lei de autoria do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que, em dezembro de 2016, foi aprovado e retornou para a análise do Senado. A lei substituirá o Estatuto do Estrangeiro (Lei 6815/1980).

Quem atua na área espera que a nova lei reduza os números de pedidos de refúgio por facilitar a imigração propriamente dita. Assim, o refúgio deixaria de servir como um processo mais rápido e menos burocrático para viabilizar a estadia de estrangeiros no Brasil.

De acordo com a proposta, a moradia no Brasil será autorizada para os casos previstos de visto temporário e também para o aprovado em concurso; para beneficiário de refúgio, de asilo ou de proteção ao apátrida; para quem tiver sido vítima de tráfico de pessoas, de trabalho escravo ou de violação de direito agravada por sua condição migratória; a quem já tiver possuído a nacionalidade brasileira e não desejar ou não reunir os requisitos para readquiri-la. Do Jornal Pequeno

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